"A semana passada foi daquelas. Clima tenso no trabalho; cliente solicitando alterações no resultado de meses de dedicação, que ele mesmo acompanhou e aprovou, cuja repercursão em todas as partes faz qualquer linha a ser movida parecer uma nova ponte a ser construída; projetos extra-escritório que fizeram o trabalho se prolongar, agora em casa, até a madrugada de alguns dias seguintes, que ainda assim mantinham as mesmas vinte e quatro insuficientes horas.
Mesmo o débito crescente com o sono – acumulado desde semanas anteriores entremeadas por fins-de-semanas inteiros de aula –, não me impediu de visitar alguns ensaios do Yaônilé, em preparação para a apresentação na Semana Sergipana de Dança. Confesso que, em princípio, ir aos ensaios foi como desempenhar mais uma tarefa em um dia já cheio, tive até um pouco de raiva em existirem. Era um mistério como aquelas pessoas, que também trabalham e estudam, muitas vezes em rotinas ainda mais árduas que a minha, se propunham a dedicar mais energia para duas, três horas agitando seus corpos tão energicamente em ágeis movimentos que acompanhavam sons outrora tão enigmáticos, e até menosprezados, apesar de sempre presentes. Contive-me na resignação do meu cansaço.
No segundo ensaio que presenciei, Danilo insistentemente e, ainda, pacientemente, esforçava-se em fazê-los acertar a dança para Logum-Edé, e mesmo em meio a braços e pernas e corpos pululantes, algumas vezes oscilantes, outras errantes; caras menos empenhadas em divertir-se que a tirar melhor proveito do tempo; todos estavam ali, juntos e unidos, apesar de todas as adversidades, em um só objetivo. Empenhados também, por sua vez, em facilitar a assimilação, em absorver as instruções sem grandes objeções, todos desejavam uma coisa só: fazer o melhor.
Eu estava com eles. Eu não dançava, eu não chamava a atenção de algum menos atento para que fizesse certo, eu nem distinguia o que era, ou não, certo. Apenas perscrutava-os com o olhar, tentando absorver a particularidade, o sentido e a beleza de cada movimento e a magnitude de todos os movimentos juntos. Foi também o que fiz durante os breves 15 minutos de sexta-feira passada no foyer do Teatro Tobias Barreto. Mas agora qualquer esforço se fazia desnecessário, eu já não continha o que me tomava, minhas mãos e pernas tremiam, meu corpo quase levitava, uma nova eternidade se descortinava cintilante diante de meus olhos e dançante por dentro de minh’alma.
Como é bom poder ser ‘livre’.
Obrigado, Yaônilé."
Raoni Pinheiro é arquiteto, nascido em Brasília e domiciliado em Aracaju. Eterno curioso das possibilidades do estético, nutre-se delas para trabalhar em seus projetos. Idealista, é o filho do meio de Dona Cida e seu Antônio Saracura.
Axé a todos nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!
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