domingo, 31 de julho de 2011

Oxum mata o caçador e transforma-se num peixe


Oxum mora perto de lagoa, perto da ossá.
Todos os dias Oxum ia à lagoa se banhar;
todos os dias ia polir suas pulseiras, seus indés;
todos os dias lavava na lagoa seu ida.
Oxum caminhava junto às margens,
sobre as pedras cobertas pelas águas rasas da beira da lagoa.
E as pedras brutas alisavam os seus pés
e seus pés nas pedras ficavam mais formosos, tão macios.
Oxum ia à lagoa sempre esperando um amor,
que viria um dia, espreitando, apreciar sua beleza.
Oxum caminhava nua nas pedras.
Caminhava nua, esperando pelo homem
que viria um dia espiar sua exuberância.
Oxum ia à lagoa brunir os seus indés
e na lagoa lavava seu punhal, seu ida.
ia banhar seu corpo arredondado, lavar os seus cabelos,
lixar seus pés nas rochas ásperas da ossá.
Oxum ia desnuda, pensando num amor a conquistar.

Tanto foi Oxum à ossá
que as pedras se gastaram com seu caminhar.
Viraram seixos rolados pelo tempo,
modelados e alisados sob os pés do orixá.
Aí um dia aproximou-se da lagoa um belo caçador
e Oxum logo por ele se enamorou.
Dentro da lagoa Oxum dançou suas danças,
dançou para o jovem caçador danças de amor, de sedução.
E o caçador deixou-se atrair por tanto encanto.
O caçador perdidamente enamorou-se de Oxum.
Não via o rosto dela, encoberto pela cascata de contas
que escondia sua face do olhar dos curiosos,
mas podia antecipar sua formosura.
E chamou Oxum à terra, ao prazer do amor.
Quando Oxum saía da água para entregar-se ao caçador,
as contas que lhe cobriam o rosto voaram com o vento
e a face de Oxum se descobriu para ele.
Terrível surpresa!
Oxum, a que gastara com os pés as pedras
de tanto caminhar para o zelo da beleza,
transformando pedras brutas em lisíssimos otás,
a que não sentira passar o tempo que foi necessário
para pedras brutas transformarem-se em seixos rolados,
Oxum, sim, Oxum estava velha.
Muito velha. Muito feia.
Olhos desbotados e sem viço
na face gasta e enrugada pelo tempo.
Era uma mulher muito velha e muito feia.
A mais feia e velha de todas as mulheres;
o caçador nem podia acreditar.
Não era a mulher bela que o extasiara.
Não era a mais doce das belezas que quisera arrebatar.
Assustado e ofendido pelo espetáculo,
ferido pela decepção, temeroso da feia visão,
gritou o caçador:
"É a mulher-pássaro, a velha feiticeira!
É a terrível mulher-pássaro, Iá Mi Oxorongá!”.
O caçador havia confundido Oxum envelhecida
com uma das temidas feiticeiras, as Iá Mi Oxorongá.
E mais clamava o ainda assustado caçador:
“Preciso ir à aldeia avisar a todos.
Que é aqui que mora então a terrível velha-mãe.
Aquela cujo nome já é ruim pronunciar!”.

Oxum estava pasma. Surpresa. Enfurecida.
O ardil do tempo fora mais do que funesto.
O tempo se esgotara e Oxum não percebera,
todo o tempo apurando sua beleza.
Todo o tempo banhando seus cabelos,
polindo seu punhal, lavando seus indés.
Oxum não podia deixar a aldeia saber desse segredo.
Que Oxum envelhecera. Oxum Ijimi. Velha e feia.
Oxum não podia deixar-se ir o caçador.
Oxum matou o caçador com seu idá
e depois lançou-se atormentada ao lago.
E nas águas da ossá Oxum se transformou num peixe.
Mas a memória de sua beleza ficou inscrita
em cada um dos seixos polidos por seus pés.
A beleza de oxum
ficou para sempre nos otás.

Quando as águas estão altas na lagoa,
Oxum, o peixe, nada para as bordas da ossá
e ali junto aos seus otás
rememora vaidosa sua beleza.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, pág 327-9. Originalmente encontrado em Reginaldo Prandi, pesquisa de campo, São Paulo, 1997. Seixos colhidos nas margens dos rios são usados nos assentamentos de Oxum.

Ossá [osa] – lagoa, lago, mar.
Indé [idè] – metal amarelo, pulseira.
Idá [ida] – espada, punhal.
Otá [ota] – pedra; seixo usado para assentar (representar) o orixá.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Orô é traído pela mulher e se afasta do mundo


Era uma vez um grande caçador,
que gostava de andar pelo mundo sem parar.
Seu nome era Orô
e era filho de Iemanjá.
Orô viajava, caçava
e conquistava seus amores.
Todas as mulheres tinham uma queda por Orô
e ele adorava estar em sua companhia.
Um dia Orô achou que era hora de assentar na vida.
Orô casou-se.
Era então o caçador pacato,
que esperava ansioso o nascimento do seu primogênito.
Mas sua mulher o traiu
e abortou seu filho.
Orô não a perdoou
e desde então odiou as mulheres.
Retirou-se para as matas que cercavam a cidade
e nunca mais mulher alguma o viu.
Quem de Orô se aproxima, de dia ou de noite,
pode escutar sua voz cavernosa e horripilante,
grave como o com dos berrantes.
Vive na mata como um egum,
como um egum perdido e solitário,
longe do mundo que tanto mal lhe fez.
É o senhor da floresta,
que guarda e assombra,
e todos o temem e o evitam.
Evitam até mesmo o pavoroso som de sua garganta,
especialmente as mulheres que ele odeia
e culpa por sua triste sina.
Vive na mata, onde aplica sua justiça,
devorando feiticeiros,
criminosos condenados
e mulheres adúlteras que os homens lhe entregam.
Só os homens dele se aproximam.
Nem as mulheres podem ver Orô,
nem Orô quer ver as mulheres.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, pág 186-7. Originalmente encontrado em Lydia Cabrera, 1980, pp. 41. Na África, o culto de Orô é conduzido pela sociedade secreta masculina dos Ogboni, responsável pela execução de criminosos ondenados à morte. Seus sacerdotes saem às ruas tocando instrumentos que produzem um som rouco como a voz de oro, obrigando as mulheres a se trancar em casa. Orô está praticamente esquecido no Brasil. É cultuado como egum em Cuba.

Egum [Égún] – antepassado, espírito de morto, o mesmo que egungum; alguns orixás são eguns divinizados.


Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

sábado, 30 de julho de 2011

Iemanjá joga búzios na ausência de Orunmilá


Iemanjá e Orunmilá eram casados.
Orunmilá era um grande adivinho.
Com seus dotes sabia interpretar os segredos dos búzios.
Certa vez Orunmilá viajou e demorou a voltar
e Iemanjá viu-se sem dinheiro em casa.
Então, usando o oráculo do marido ausente,
passou a atender uma grande clientela
e fez muito dinheiro.

No caminho de volta pra casa,
Orunmilá ficou sabendo que havia em sua aldeia
uma mulher de grande sabedoria e poder de cura,
que com a perfeição de um babalaô jogava búzios.
Ficou desconfiado.
Quando voltou, não se apresentou a Iemanjá,
preferindo vigiar, escondido, o movimento em sua casa.
Não demorou a constatar que era mesmo a sua mulher
a autora daqueles feitos.
Orunmilá repreendeu duramente Iemanjá.
Iemanjá disse que fez aquilo para não morrer de fome.
Mas o marido contrariado a levou perante Olofim-Olodumare.
Olofim reiterou que Orunmilá era e continuaria sendo
o único dono do jogo oracular que permite a leitura do destino.
Ele era o legítimo conhecedor pleno das histórias
que formam a ciência dos dezesseis odus.
Só o sábio Orunmilá pode ler a complexidade e as minúcias do destino.
Mas reconheceu que Iemanjá tinha um pendor para aquela arte,
pois em pouco tempo angariara grande freguesia.
Deu a ela então autoridade para interpretar as situações mais simples,
que não envolvessem o saber complexo dos dezesseis odus.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, págs. 387-8. Originalmente encontrado em Natália Aróstegui, 1994 (b), p. 45.

Odu [Odù] – Signos do oráculo iorubano, formados de mitos que dão indicações sobre a origem e o destino do consulente. O odu é obtido ao acaso, pelo lançamento de dezesseis búzios, dezesseis cocos de dendê, ou pela cadeia de adivinhação de Ifá. Na África, os odus são histórias em forma de poemas recitados de cor pelo babalaô. Em Cuba, os babalaôs mantêm os mitos dos odus escritos em cadernos que conservam em segredo (pataquis). No Brasil, os poemas estão esquecidos, conservando-se contudo seus nomes, nomes de orixás que fazem parte das narrativas e presságios de cada um deles. Odus são divindades enviadas por Orunmilá para ajudar os homens.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Batas africanas: sempre na moda!

Em que você pensa ao lembrar da África? Se apenas as imagens da pobreza e do sofrimento daquele país vem à sua cabeça, tá na hora de rever seus conceitos. O mundo tem aprendido muito com os africanos em diversos campos: na culinária, na música, nas artes e, principalmente, na moda. O estilo africano de se vestir contagiou o mundo! Com cores vibrantes e estampas grandes, as peças produzidas na África surpreendem pela beleza.

E se há um item em especial que dominou o gosto popular, foram as batas. Lisas ou estampadas elas estão presentes em TODOS os lugares e agradam de gregos a troianos. Na África, as batas mais trabalhadas são utilizadas por sacerdotes em grandes cerimônias assim como os babalorixás e ialorixás brasileiros a utilizam nas grandes festas do candomblé. As fotos abaixo são de modelos exclusivos trazidos de Luanda. Aos que desejarem, elas se encontram à venda em nosso facebook ou no orkut.

 




Para ver em tamanho maior, clique nas imagens.

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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Convite: 13ª Caminhada Azoany


Ainda dá tempo de se programar e ir! Mais informações no Site Oficial.

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Parabéns, Mandela!


Em 1993, Nelson Mandela recebeu o Nobel da Paz e tornou-se, em definitivo, um símbolo planetário da reconciliação. Nelson Rolihlahla Mandela foi um líder rebelde e, posteriormente, presidente da África do Sul de 1994 a 1999. Principal representante do movimento anti-apartheid, considerado pelo povo um guerreiro em luta pela liberdade, era tido pelo governo sul-africano como um terrorista e passou quase três décadas na cadeia.

Acompanhe um pouco da história deste homem.


 
67 minutos!

 
O dia em que o estadista completa 93 anos tornou-se o dia internacional dedicado ao líder sul-africano que conseguiu, através do diálogo e da integração, mudar o futuro da África do Sul. Neste dia, a Fundação Nelson Mandela pede a todos os cidadãos que dêem 67 minutos do seu tempo a ajudar os outros. Como? Aí vão algumas dicas:


- Faça um novo amigo. Conheça alguém de um contexto cultural diferente do seu. Só através do entendimento mútuo é que as nossas comunidades se livrarão da intolerância e da xenofobia;

- Leia para alguém que o não pode fazer. Visite uma instituição para cegos e abra um novo mundo para outra pessoa;

- Dê uma ajuda no seu canil local. Cães sem dono também precisam de passear e de um pouco de atenção;

- Ajude alguém a arranjar um emprego. Crie-lhe um currículo ou ajude-o na preparação da entrevista;

- Muitas pessoas com doenças terminais não têm ninguém com quem falar. Reserve algum do seu tempo a falar com elas;

- Leve alguém que conhece - e que não tem recursos para o fazer - a uma consulta de oftalmologia ou de medicina dentária;

- Doe uma cadeira de rodas ou um cão-guia a quem precise;

- Compre alguns cobertores, ou dê os que já não precisa a alguém em dificuldades.


Precisa de mais dicas? Encontre-as
aqui! Você também pode fazer a sua homenagem virtual tuitando uma das verdades ditas por Nelson. O aniversário é dele, mas a luta pela qual ele dedicou e continua dedicando a sua vida, deve ser de todos nós!

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terça-feira, 12 de julho de 2011

O que você faz para combater o racismo na infância?

A discriminação racial persiste no cotidiano das crianças brasileiras e se reflete nos números da desigualdade entre negros, indígenas e brancos.

Com a campanha Por uma infância sem racismo, o UNICEF e seus parceiros fazem um alerta à sociedade sobre os impactos do racismo na infância e adolescência e sobre a necessidade de uma mobilização social que assegure o respeito e a igualdade étnico-racial desde a infância.

Baseada na ideia de ação em rede, a campanha convida pessoas, organizações e governos a garantir direitos de cada criança e de cada adolescente no Brasil.


Por que participar?

Diversidade étnico-racial entre as crianças deve ser motivo de orgulho – e não razão para discriminação.

Chamar a atenção sobre os impactos do racismo na formação de uma criança é reconquistar os valores e as atitudes que possibilitam o reconhecimento da riqueza da diversidade brasileira; e de como essa riqueza tem valor como bem imaterial para nossas crianças e adolescentes, gerando uma sociedade mais justa.

O Brasil tem desenvolvido muitas ações relevantes em favor da criança. Mas a distância entre a política pública e as crianças indígenas, brancas e negras é muito grande e persiste há muitos anos.

Para fazer acontecer a igualdade é preciso olhar de frente essa questão e dar o valor devido à diversidade.


Crianças e adolescentes têm o direito a conhecer e valorizar os diferentes modos de agir, de pensar, de ver o mundo e de aprender a se relacionar com o outro.

Crianças também têm o direito de ser reconhecidas em suas identidades e de desenvolver a sua autoestima e seus valores como grupo étnico ou histórico.

Logo de cara, você tem 10 maneiras de contribuir. Pode também baixar o folder da campanha e distribuir para os seus contatos. Além, é claro, de juntar-se à campanha no Twitter e no Facebook!

Foto: A vida continua - Adenor Gondim

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Pesquisa mapeia casos de intolerância religiosa ocorridos no Brasil


Por Denise Porfírio


Episódios criminosos de intolerância religiosa registrados nos últimos 10 anos foram sistematizados pelo Mapa da Intolerância Religiosa – Violação ao Direito de Culto no Brasil, lançado na última semana, na Bahia. O documento inédito sistematiza a nível nacional os casos de desrespeito à liberdade de culto cometidos contra religiosos de matriz africana, muçulmanos, judeus, católicos, entre outros grupos religiosos.

“A intolerância religiosa é um atentado à democracia e fere gravemente a pluralidade que marca a civilização nacional. Neste sentido, é importante divulgar manifestações racistas a fim de que providências sejam tomadas efetivamente”, afirma o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis.

A liberdade de culto é assegurada pela Constituição Brasileira, no entanto, segundo Marcio Alexandre Gualberto, autor do trabalho, é visível que exista uma vítima preferencial de intolerância religiosa em nosso país. “Essa vítima é o praticante das religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, sendo, portanto, estes os mais frequentes e, quase sempre, os mais graves casos de extremismo religioso”, afirma.

De acordo com o autor, a proposta do mapa não é apenas apresentar denúncias, mas mostrar o quanto se tem avançado no combate à intolerância religiosa e a importância do esforço de organizações e de movimentos sociais e religiosos que se mobilizam, se articulam e pressionam o poder público para pôr um fim à intolerância religiosa, seja produzindo documentos, ou até mesmo chamando para o diálogo outras tradições religiosas para somar força.

O objetivo é fazer do mapa um projeto permanente que transforme a pesquisa em um site que receba denúncias de todo o país, que aponte os estados onde ocorrem mais casos e que encaminhe as denúncias aos órgãos respectivos de cada estado ou município para que possam dar solução às intolerâncias sofridas.

DIA NACIONAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA – No ano 2000, em Salvador, um ato de intolerância religiosa ocasionou a morte da líder de matriz africana Mãe Gilda, que foi vítima de um enfarto após ver sua foto publicada em um jornal de grande circulação acompanhada de um texto depreciativo. O triste episódio marcou o dia 21 de janeiro como uma data importante para estimular a sociedade a dialogar sobre o assunto e construir mecanismos de reconhecimento e valorização para que essas religiões possam ser devidamente protegidas e respeitadas.

A yalorixá Jaciara de Oxum, filha de Mãe Gilda, acredita que somente a força da educação, pelo ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira (lei 10.639/2003) nas escolas, pode combater a falta de habilidade ou de vontade de aceitar a crença do outro. Sacerdotisa do terreiro Axé Abassá de Ogum, a yalorixá afirma que a divulgação do mapa dará maior visibilidade para a importância dos cultos religiosos afro-brasileiros. “Precisamos mudar os rumos da sociedade e promover um dialogo de paz entre as religiões”, desabafa.


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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Yaônilé em Imagens # 9 - por Marco Vieira


Confiram abaixo um slide com as imagens feitas pelo fotógrafo Marco Vieira da participação do Yaônilé na 28ª Lavagem da Conceição. As fotos estão disponíveis em nosso Flickr para download. ;)


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Os deuses e suas cidades - de onde vem os Orixás?

Créditos da Imagem
O culto a orixá na África não é homogêneo, não há um panteão definido em toda a parte negra do continente. Alguns deuses conhecidos em certas cidades são completamente desconhecidos em outras e seu culto, na maioria das vezes, fica restrito às cidades de que foram reis ou senhores. Essa é uma diferença com o Candomblé, no qual há um panteão mais ou menos homogêneo, e deuses das mais diversas procedências da terra ioruba são reverenciados num único culto.

Contudo, existem alguns orixás que são conhecidos em muitas regiões. É o caso de Exu, que não possui uma região definida e é quase como um deus universal, cultuado em Ifé e em Mahi. A única referência que se tem de um possível lugar dominado por Exu é o título de Alakétu com o qual, a exemplo de Oxóssi, também é saudado, mas esse atributo parece ter muito mais a ver com uma recriação brasileira, onde Kêtu tornou-se a mais importante nação de Candomblé, do que com um título honorífico recebido na África. Na verdade, o lugar de origem de Exu é cada ser humano, por isso é saudade Elebara, o rei do corpo.

A cidade de Iré teve como grande rei Ogum, que devido ao seu gosto pela conquista tornou-se conhecido em muitas cidades da África, inclusive Ifé, da qual foi regente quando seu pai, Odudua, esteve impossibilitado. O título de Onirê (Oníìré) pertence a Ogum. Nas regiões em que esse orixá não é cultuado, outros deuses assumem o domínio sobre a caça ou sobre a guerra, como Oxóssi em Kêtu, o grande orixá dos caçadores que está praticamente esquecido na África, mas é bastante cultuado no Brasil, onde mantém o título de Alakétu, tendo se tornado o grande patrono do Candomblé. Outros deuses caçadores, que no Brasil são considerados qualidades de Oxóssi, são cultuados em suas próprias cidades. Esse é o caso de Erinlé na cidade de Ilobu e Otin em Inisá. Logun Edé, saudado na África como rei de ILesá, no Brasil é filho de Oxum e Oxóssi.

Créditos da Imagem
Entre as deusas das águas muitas estão relacionadas também a rios que levam seus nomes. Iansã é a deusa do rio Níger, também conhecido como rio Oyá, que é um outro nome da deusa. Obá também é a divindade de um rio de mesmo nome, que em certo ponto encontra com o rio Oxum, formando uma violenta confluência e lembrando sempre a rivalidade entre as duas deusas. Oxum é também a rainha de Ijesá e seu culto se estende até a cidade de Osogbó, na qual selou uma aliança com o rei local, passando a ser cultuada por todos os moradores. Em Osogbó realizam-se os principais festivais de Oxum.

Iemanjá, a deusa do rio de mesmo nome e também do rio Ogum, era cultuada inicialmente em Abeokutá, mas quando seus sacerdotes tiveram que se mudar para Egbá, esta cidade passou a ser o principal local de culto. Ewá também tem um rio com seu nome e a sua cidade é Egbado.

Os iorubas, quando conquistavam territórios vizinhos, geralmente assimilavam os seus deuses, e foi isso que aconteceu com Nanã Buruku, Obaluaiê (Obalúayé), Oxumaré e Iroko, todos cultuados entre os Mahi e nas terras do antigo Daomé. Sua incorporação ao panteão nagô ocorreu ainda na África.

A região de origem de xangô é Nupé ou Tapá, mas seu culto é mais evidente e forte na cidade de Òyó, da qual foi o terceiro e mais poderoso Aláàfin (rei). Seu culto é muito intenso nessa cidade e praticamente desconhecido em Ifé, onde Oramfé é considerado o senhor do trovão.

Os orixás funfun são adorados em praticamente toda a África negra, porém, alguns nomes se sobressaem em determinadas regiões, como Orixalá ou Obatalá em Ifé; Oxalufã em Ifon e Oxaguiã em Ejigbó.

É importante compreender essa diferença fundamental entre África e Brasil, já que entre os iorubás o orixá está intimamente ligado à etnia. É por isso que devemos ter bem claro que somos afro-brasileiros, não podendo desconsiderar a história do negro no Brasil para compreender a formação do Candomblé.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do Livro “Candomblé – A panela do segredo”, de Pai Cido de Òsun Eyin com a colaboração de Rodnei William Eugênio, publicado pela Editora ARX, pp. 59-60.

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domingo, 3 de julho de 2011

Iemanjá vinga seu filho e destrói a primeira humanidade


Iemanjá era uma rainha poderosa e sábia.
Tinha sete filhos
e o primogênito era o seu predileto.
Era um negro bonito e com o dom da palavra.
As mulheres caíam a seus pés.
Os homens e os deuses o invejavam.
Tanto fizeram e tanta calúnia levantaram contra o filho de Iemanjá
que provocaram a desconfiança de seu próprio pai.
Acusaram-no de haver planejado a morte do pai, o rei,
e pediram ao rei que o condenassem à morte.


Iemanjá Sabá explodiu em ira.
Tentou de todas as formas aliviar seu filho da sentença,
mas os homens não ouviram suas súplicas.
E essa primeira humanidade conheceu o preço de sua vingança.
Iemanjá disse que os homens
só habitariam a Terra enquanto ela quisesse.
Como eles a fizeram perder o filho amado,
suas águas salgadas invadiriam a terra.
E da água doce a humanidade não mais provaria.
Assim fez Iemanjá.
E a primeira humanidade foi destruída.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, pág 386. Originalmente encontrado em Lydia Cabrera, 1980, pp. 32-3.

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Oxum Navezuarina cega seus raptores



Um dia houve uma grande guerra entre as tribos.
Nessa guerra os soldados aprisionaram diversas moças.
Uma delas era uma virgem chamada Navezuarina.
Quando os jovens raptores levavam as moças aprisionadas,
Navezuarina invocou sua força mágica
e fez surgir um intensíssimo clarão.
O clarão cegou os guerreiros que levavam as prisioneiras.
Os soldados ficaram perambulando no mato, sem direção.
Como eles já nada enxergavam,
elas pensaram em fugir e voltar para sua aldeia.
Navezuarina, que é outro nome de Oxum,
pegou uma cuia e preparou uma poção com ervas.
Ela passou a mistura nos olhos dos guerreiros
e eles recobraram a visão.
Agradecidos, soltaram todas as prisioneiras.
Elas voltaram ao seu lar no país dos nagôs.
Navezuarina voltou para casa com as amigas,
voltou em companhia de Dantã e as outras.
Todas voltaram para sua aldeia,
onde são sacerdotisas da casa de Queviossô.
E elas andam juntas até hoje,
usando sempre roupas cor-de-rosa.
[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, pág 326. Originalmente encontrado em Sérgio Ferretti, pesquisa de campo, São Luís, 1997. Narrado por Pai Jorge Itaci, chefe do terreiro mina de Iemanjá. Navezuarina, ou Navê, Dantã e Queviossô são voduns cultuados no tambor-de-mina.

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Erinlé é chamado Ibualama


Havia um caçador chamado Erinlé,
o grande caçador de elefantes.
Um dia uma mulher passava perto de um rio
e ali perto, junto ao bosque, avistou o caçador.
Ele pediu a ela que lhe desse água para beber.
A mulher entrou no rio até a altura dos joelhos
e, quando se inclinou para apanhar água,
ouviu de Erinlé a ordem de que entrasse mais fundo.
Mais fundo no rio entrou a mulher,
mas, percebendo que o rio ia afogá-la,
saiu imediatamente da água, com medo de ser morta.
Ela ouviu então a voz do caçador, que era o próprio rio,
reclamando que ela não lhe trazia oferenda alguma.
Ela queria recolher sua água, mas nada lhe dava em troca.
Ninguém pode entrar no rio profundo sem trazer presentes.
Tempos depois, quando Erinlé foi cultuado como orixá,
seus seguidores o chamaram de Ibualama,
que quer dizer “Água Profunda”.

[Notas Bibliográficas e Comentários]


Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, págs 132-3. Originalmente encontrado em Pierre verger, 1957, p. 210 (1999, pp. 211-212).

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