sexta-feira, 26 de março de 2010

Entre a cruz e a encruzilhada


Para que os negros pudessem exercer sua fé e reverenciar seus ancestrais na terra de Vera Cruz foi necessário que fizessem uma camuflagem de seus rituais sob o olhar católico de seus senhores. Era inevitável: ser um brasileiro vivo dependia do credo na Santa Madre Igreja, o catolicismo era a única região tolerada por aqui e a única forma de ser legitimado socialmente. Como a nação Brasillis era constituída também por índios, a esfera dos cultos recebeu um reforço das pajelanças tupis guaranis sendo incorporadas louvações a espíritos indígenas dentro da miscelânea.

Assim surgiu o sincretismo religioso, o paralelismo entre o catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra e símbolos e os espíritos de inspiração indígena, contemplando as três fontes básicas do Brasil mestiço, seguindo o calendário festivo da Igreja Católica, santificando os ritos e sacramentos católicos. Mesmo após o século XIX, quando os negros se viram livres, continuaram a afirmar-se católicos (medo, retaliação?) o que acabou fazendo com que o candomblé da Bahia, o Xangô de Pernambuco, o Tambor-de-mina do Maranhão, o Batuque do Rio Grande do Sul e outras denominações, fossem arroladas pelo censo do IBGE sob o nome único e mais conhecido: candomblé.

Como diz o senhor M. P. “...isso faz com que as religiões afro-brasileiras apareçam subestimadas nos censos, em que o quesito religião só pode ser pesquisado de modo superficial. Com o tempo, as religiões afro-brasileiras tradicionais se espalharam pelo Brasil todo, passando por muitas inovações, mas quanto mais tradicionais os redutos pesquisados, mais os afro-brasileiros continuam se declarando, e se sentindo, católicos. Mais perto da tradição, mais católico. Um mapeamento dos afro-brasileiros segundo as diferentes regiões mostra isso muito bem: eles são em número relativamente pequeno no Nordeste, região em que a religião afro-brasileira tradicional se formou, o que pode parecer paradoxal, e em número bem maior nas regiões em que se instalou mais recentemente, ou seja, já no século XX, e onde a mudança religiosa no campo afrobrasileiro tem se mostrado mais vigorosa, casos do Sudeste e do Sul. Até hoje o catolicismo é uma máscara usada pelas religiões afro-brasileiras, máscara que evidentemente as esconde também dos recenseamentos.”

O que assistimos hoje é uma descatolização do Candomblé, a religião dessincretizada. Após um considerável tempo as pessoas perceberam que o candomblé não precisa ser ligado a outra religião para existir. Tem pernas e vida próprias para seguir sem alienações, apesar do preconceito ainda latente. É inegável a importância cultural que o candomblé, a umbanda, o xangô, o tambor-de-mina, o batuque e outras denominações menores “exercem no cenário cultural brasileiro. Sua contribuição às mais diferentes áreas da cultura brasileira é riquíssima, como acontece também noutros países americanos em que se constituíram religiões de origem negro-africana. Mas, se se confirma que o Brasil vem se tornando religiosamente menos afro-brasileiro, a fonte viva de valores, visões de mundo, arranjos estéticos, aromas, sabores, ritmos etc., que são os terreiros de candomblé e umbanda, pode entrar em processo de extinção. Não seria um horizonte promissor para o cultivo da diferença cultural e do pluralismo religioso, cujo alargamento alimentou promessas do final do século XX de mais democracia, diversidade, tolerância e liberdade” (MP, 2000)

As pessoas criticam, se enervam, a religião é massacrada principalmente via neo-pentecostais, mas resiste. O que nos torna fortes é a vontade de sermos fortes. O que nos mantém vivo é o desejo de não morrermos. Falo na 1ª pessoa do plural pois acredito que somos responsáveis pela nossa cultura, o legado do qual somos frutos e que devemos preservar.

Este grupo tem um compromisso social, antes de tudo, o que nos faz alvos de críticas, apelos sugestivos, acusações, afrontas e outras coisas de ínfimo valor. Ratificamos aqui que apenas o caminho nos interessa não importando aqueles que se acercam dele para dificultá-lo ou torná-lo mais penoso.

Há quem trabalhe o afro, hoje em dia, visando lucros, materiais e pessoais, a ganância pela vontade de ser reconhecido pelo que nunca soube fazer mas acham quem anonimamente o faça. Pessoas preconceituosas, irresponsáveis com a causa, repudiáveis por natureza.

Há de se dizer que os tempos de escravidão acabaram. O da ignorância também. Que essas pessoas recebam Palma (Tórias).

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários anônimos ou que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal / familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.