terça-feira, 21 de junho de 2011

Ogum repudia Oiá por causa de Xangô


Ogum vivia com Oiá.
Um dia seu irmão Xangô foi visitá-lo
e, na casa de Ogum, Xangô deparou com sua bela mulher.
Voltou para casa atormentado pela beleza que vira.
Desejou Oiá ardentemente.
Não desistia da idéia de possuir a mulher do seu irmão.

Xangô voltou à casa de Ogum
dizendo-se doente, nem conseguia se alimentar.
Ogum acudiu-o e pediu-lhe que ensinasse a Oiá
o preparo do seu prato predileto, o amalá,
que sem dúvida saciaria sua fome e o curaria.
Oiá preparou o amalá conforme ensinado.
Antes de comê-lo,
Xangô pediu a Oiá que acrescentasse um pó,
advertindo-a contudo que não provasse da comida.
Xangô comeu com gula e saciou a fome.
A proibição deixou Oiá muito curiosa

No dia seguinte, Oiá fez novamente a comida,
mas desta vez não resistiu e provou dela.
Disse a Xangô não ter sentido nada especial.
Xangô entregou-lhe o pó para acrescentar.
O pó tinha o poder de botar labaredas pela boca.
Oiá pôs o pó no amalá e comeu dele.
Desde então Oiá tem o poder de botar fogo pela boca.
Ogum, ao ver sua mulher cuspindo fogo,
repudiou Oiá e a entregou a Xangô.
Xangô cinicamente recusou a oferta.
Ogum insistiu para que levasse Oiá dali.
Xangô tinha enganado Ogum.
Xangô levou Oiá para casa,
feliz com sua vitória.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 93-94. Originalmente retirado de Monique Augras, 1983, pp. 142-3.

Amalá [àmala] – comida predileta de Xangô; no candomblé, comida à base de quiabo, camarão seco e azeite-de-dendê; no batuque, prato preparado com folhas de mostarda.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Imagens # 8 - Unit | Encerramento de Semestre do Curso de Gastronomia

Conforme divulgado em nosso twitter, o Yaônilé esteve no último dia 06 de junho realizando o encerramento do semestre do curso de Gastronomia da Universidade Tiradentes. O evento promovido pelo Prof. Amintas, serviu como exibição prática da influência da comida nos povos. Sob a coordenação de Izabelle Leite, o Yaônilé encantou mais uma vez. Um pouco do que rolou por lá você confere no slideshow abaixo. =D
Se desejarem fazer download, as fotos estão disponíveis em nosso Flickr.


Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum colofé!

Eleguá guarda o portão de Aganju


Um dia Aganju, ao cruzar o rio, avistou uma linda mulher.
Ela se banhava nas águas, era Oxum.
Aganju fez a corte à linda mulher,
mas Oxum respondeu ao galanteio com desprezo.
Aborrecido, Aganju tentou violentá-la.
Em defesa de oxum surgiu das águas um ser pequenino.
Era Eleguá.
Oxum riu-se da situação
e explicou a Aganju que o pequeno a queria como a uma mãe,
por isso ele a defendia.
Todos ficaram amigos e Aganju os convidou à sua casa.
Oxum e Eleguá aceitaram o convite de Aganju
e foram até a casa dele.
Mas, ao chegar, Eleguá negou-se a entrar.
Ficou sentado à porte.
Ficou sendo o guardião da casa.
E por ser o guardião da entrada,
era sempre o primeiro a comer.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, pág 48. Originalmente retirado de Lydia Cabrera, 1980, p. 79. Eleguá (Elleguá) é o nome de Exu na santeria de Cuba. Muitas qualidades (caminhos) de Eleguá, no entanto, têm nomes de Exu (Echu). Em geral o nome Exu é reservado a aspectos malfazejos do orixá.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

domingo, 19 de junho de 2011

Oraniã nasce negro e branco e tem dois pais

Ogum venceu a guerra contra Ogotum.
Do espólio da guerra trouxe sete escravas.
Uma delas era Lacangê, mulher de rara beleza.
Ogum amou-a em segredo, escondendo-a para si.
Mas seus falsos amigos revelaram o segredo a seu pai Odudua.
O pai ordenou a Ogum que trouxesse a escrava à sua presença.
Encantado com ela, Odudua a fez sua esposa.

 

Nove meses depois, Lacangê teve um filho.
O menino deixou a todos espantados.
Do lado direito, tinha a pele negra, como a de Ogum;
do lado esquerdo, a mesma pele alva de Odudua.
Ogum e Odudua entreolharam-se, sem nada dizer.
Esse menino recebeu o nome de Oraniã.
Um dia foi um grande guerreiro,
fundou o reino de Oió e foi pai de Xangô.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, pág 432. Originalmente retirado de Ulli Beier, 1980, pp. 19-20; Pierre Verger, 1957, p. 143 [1999, pp. 340-1]; Verger, 1980, p. 288; Verger, 1981 (b), pp. 18-9; Verger, 1985, p. 28.


Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

sábado, 11 de junho de 2011

Oxum seduz Iansã

Uma vez Oxum passou pela casa de Iansã e a viu na porta.
Ela era linda, atraente, elegante.
Oxum então pensou: “Vou me deitar com ela”.
Oxum era muito decidida e muito independente.
Oxum resolveu roubar a coroa de Iansã.
E assim, muitas e muitas vezes, passou na frente daquela casa.
Levava uma quartinha de água na cabeça,
e ia cantando, dançando, provocando.
No começo Iansã não se deu conta do assédio,
mas depois acabou por se entregar.
Mas logo Oxum se dispôs a nova conquista
e Iansã a procurou para castigá-la.
Oxum teve de fugir para dentro do rio,
lá se escondeu e lá vive até hoje.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, págs 325-326. Originalmente encontrado em Rita Segato, 1995, p. 403.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Iemanjá dá à luz as estrelas, as nuvens e os orixás


Iemanjá vivia sozinha no Orum.
Ali ela vivia, ali dormia, ali se alimentava.
Um dia Olodumare decidiu que Iemanjá
precisava ter uma família,
ter com quem comer, conversar, brincar, viver.
Então o estômago de Iemanjá cresceu e cresceu
e dele nasceram todas as estrelas.
Mas as estrelas foram se fixar na distante abóbada celeste.
Iemanjá continuava solitária.
Então de sua barriga crescida nasceram as nuvens.
Mas as nuvens perambulavam pelo céu
até se precipitarem em chuva sobre a terra.
Iemanjá continuava solitária.
De seu estômago nasceram então os orixás,
nasceram Xangô, Oiá, Ogum, Ossaim, Obaluaê e os Ibejis.
Eles fizeram companhia a Iemanjá.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, pág 47. Originalmente retirado de Awo Fá’lókun Fátunmbi, 1994, p. 126.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Convite: Com festa, Ilê Axé Dematá Ni'Sahara saúda Odé Kasideran!

O Ilê Axé Dematá Nhi’Sahara se prepara para mais uma grande festa em louvor ao Senhor da Casa, Odé Kasideran. A celebração começa a partir das 22h deste sábado, 11 de junho e vai até o dia 22, cumprindo a seguinte agenda:

11/06 - Festa de Oxosse às 22:00 hs

12/06 - Tradicional Fogueira de Xangô às 17:00hs

14/06 - Feijoada de Ogum às 20:00 hs

18/06 - Festa de seu Martins de Anglar na Casa de Ninha (Camburusenza) no Conj. Jardins (N. Srª do Socorro) às 22:00 hs.

22/06 - Ôrikis em louvor ao Nibasí de 60 anos da Ekede Luiza Ôrômindewá - às 20:00 hs (Obs: todos de cor branca.)
Para relembrar, a série de vídeos das Bodas de Porcelana de Odé Kassideran, comemoradas em junho de 2010.

Festa de Oxóssi (trecho)
 
 
Feijoda de Ogum (trecho)
 
 
Fogueira de Xangô (trecho)
 
 
Clicando aqui você tem acesso a todos os vídeos na página do Ogan Tony Almeida, cinegrafista e editor dos mesmos. Também é dele, os créditos pela foto. 
 
Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Odudua briga com Obatalá e o Céu e a terra se separam

No princípio de tudo,
quando não havia separação entre Céu e Terra,
Obatalá e Odudua viviam juntos dentro de uma cabaça.
Viviam extremamente apertados um contra o outro,
Odudua embaixo e Obatalá em cima.
Eles tinham sete anéis que pertenciam aos dois.
À noite eles colocavam seus anéis.
Aquele que dormia por cima sempre colocava quatro anéis
e o que ficava por baixo colocava os três restantes.
Um dia Odudua, deusa da Terra, quis dormir por cima
para poder usar nos dedos quatro anéis.
Obatalá, o deus do Céu, não aceitou.
Tal foi a luta que travaram os dois lá dentro
que a cabaça acabou por se romper em duas metades.
A parte inferior da cabaça, com Odudua, permaneceu embaixo,
enquanto a parte superior, com Obatalá ficou em cima,
separando-se assim o Céu da Terra.
No início de tudo, Obatalá, deus do Céu,
e Odudua, deusa da Terra, viviam juntos.
A briga pelos anéis os separou
e separou o Céu da Terra.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, pág 424. Originalmente retirado de Lydia Cabrera, 1993, pp. 296-7.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Euá transforma-se numa fonte e sacia a sede dos filhos

Havia uma mulher que tinha dois filhos,
aos quais amava mais do que tudo.
Levando as crianças, ela ia todos os dias à floresta
em busca de lenha, lenha que ela recolhia
e vendia no mercado para sustentar os filhos.
Euá, seu nome era Euá e esse era seu trabalho,
ia ao bosque com seus filhos todo dia.

Uma vez, os três estavam no bosque entretidos
quando Euá percebeu que se perdera.
Por mais que procurasse se orientar,
não pôde Euá achar o caminho de volta.
Mais e mais foram os três se embrenhando na floresta.
As duas crianças começaram a reclamar de fome,
de sede e de cansaço.
Quanto mais andavam, maior era a sede, maior a fome.
As crianças já não podiam andar
e clamavam à mãe por água.
Euá procurava e não achava nenhuma fonte,
nenhum riacho, nenhuma poça d’água.
Os filhos já morriam de sede
e Euá se deseserava.
Euá implorou aos deuses,
pediu a Olodumare.
Ela deitou-se junto aos filhos moribundos
e, ali onde se encontrava,
Euá transformou-se numa nascente d’água.
Jorrou da fonte água cristalina e fresca
e as crianças beberam dela.
E a água matou a sede das crianças.
E os filhos de Euá sobreviveram.
Mataram a sede com a água de Euá.
A fonte continuou jorrando
e as águas se juntaram e formaram uma lagoa.
A lagoa extravasou
e as águas mais adiante originaram um novo rio.
Era o rio Euá, o Odô Euá.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 232-233. Originalmente retirado de Noel Baudin, 1884, pp. 70-1; A. E. Ellis, 1894, p. 123; Pierre Verger, 1957, p. 295 [1999, p. 299]. A fonte é o elemento de Euá, lugar apropriado para suas oferendas.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Ossaim cobra por todas as curas que realiza


Desde pequeno Ossaim andava metido mata adentro.
Conhecia todas as folhas e seus segredos.
De cada qual sabia o encantamento apropriado.
Sabia empregá-las na cura de doenças e outros males
e com elas preparava beberagens, banhos e ungüentos,
que carregava consigo em miraculosas cabacinhas.
Um dia Ossaim resolveu partir pelo mundo,
sempre portando seus mágicos atós, as cabacinhas.
Sua fama o antecipava.
Por onde andava era aclamado o grande curandeiro.
Certa vez salvou a vida de um rei,
que em troca quis lhe dar muitas riquezas.
Ossaim não aceitou nada daquilo,
somente recebia os honorários justos
que eram pagos a qualquer médico ou feiticeiro.

Tempos depois sua mãe caiu enferma
e seus irmãos foram buscá-lo para tratar dela.
Ossaim chegou com suas folhas e atós de remédios,
mas estipulou um pagamento de sete búzios pela cura.
Os irmãos se espantaram com a exigência,
porém, mesmo a contragosto, pagaram a quantia pedida
e a mãe foi salva.
O dinheiro era parte da magia,
que tem seus encantamentos, fórmulas e preceitos,
que nem mesmo Ossaim pode mudar.
Ossaim curou a mãe e seguiu seu caminho,
como a folha que é livre e o vento leva.


[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 154-155. Originalmente retirado de Deoscóredes Maximiliano dos Santos, 1961, pp. 67-70; Monique Augras, 1983, p. 119.

Ató [ató] – pequena cabaça usada para guardar remédios, símbolo de Ossaim e Omulu, orixás ligados à cura.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mães Feiticeiras - Iá Mi chegam ao mundo com seus pássaros maléficos


As Iá Mi Oxorongá são as nossas mães primeiras,
raízes primordiais da estirpe humana, são feiticeiras.
São velhas mães-feiticeiras as nossas mães ancestrais.
As Iá Mi são o princípio de tudo, do bem e do mal.
São vida e morte ao mesmo tempo, são feiticeiras.
São as temidas ajés, mulheres impiedosas.
As Oxorongá já viveram tudo o que se tem para viver.
As Iá Mi conhecem as fórmulas de manipulação da vida,
para o bem e para o mal, no começo e no fim.
Não se escapa ileso do ódio de Iá Mi Oxorongá.
O poder do seu feitiço é grande, é terrível.
Tão destruidor quanto é construtor e positivo o axé,
que é a força poderosa e benfazeja dos orixás,
única arma do homem na luta para fugir de Oxorongá.

Um dia as Iá Mi vieram para a Terra e foram morar nas árvores.
As Iá Mi fizeram sua primeira residência na árvore do orobô.
Se Iá Mi está na árvore do orobô e pensa em alguém,
este alguém terá felicidade, será justo e viverá muito na Terra.
As Iá Mi Oxorongá fizeram sua segunda morada
na copa da árvore chamada araticuna-da-areia.
Se Iá Mi está na copa da araticuna-da-areia e pensa em alguém,
tudo aquilo de que essa pessoa gosta será destruído.
As Iá Mi fizeram sua terceira casa nos galhos do baobá.
Se Iá Mi está no baobá e pensa em alguém,
tudo o que é do agrado dessa pessoa lhe será conferido.
As Iá Mi fizeram sua quarta parada
no pé de Iroco, a gameleira-branca.
Se Iá Mi está no pé de Iroco e pensa em alguém,
essa pessoa sofrerá acidentes e não terá como escapar.
As Iá Mi fizeram sua quinta residência nos galhos do pé de Apaocá.
Se Iá Mi está nos galhos do Apaocá e pensa em alguém,
rapidamente essa pessoa será morta.
As Iá Mi fizeram sua sexta residência na cajazeira.
Se Iá Mi está na cajazeira e pensa em alguém,
tudo o que ela quiser poderá fazer,
pode trazer a felicidade ou a infelicidade.
As Iá Mi fizeram sua sétima moradia na figueira.
Se Iá Mi está na figueira e alguém lhe suplica o perdão,
essa pessoa será perdoada pela Iá Mi.
Mas todas as coisas que as Iá Mi quiserem fazer,
se elas estiverem na copa da cajazeira,
elas o farão,
porque na cajazeira é onde as Iá Mi conseguem seu poder.
Lá é sua principal casa, onde adquirem seu grande poder.
Podem mesmo ir rapidamente ao Além, se quiserem,
quando estão nos galhos da cajazeira.
Porque é dessa árvore que vem o poder das Iá Mi
e não é qualquer pessoa
que pode manter-se em cima da cajazeira.
Elas vieram para a Terra.
Eram duzentas e uma e cada qual tinha o seu pássaro.
Eram as mulheres-pássaros, donas do eié,
eram as mulheres-eleié, as donas do eié.


Quando chegaram, foram direto para a cidade de Otá
e os babalaôs mandaram preparar uma cabaça para cada uma.
Elas escolheram sua ialodê, sua sacerdotisa.
Foi a ialodê quem deu a cada eleié
uma cabaça para guardar seu pássaro.
Então, cada Iá Mi partiu para sua casa
com seu pássaro fechado na cabaça
e lá cada uma guardou secretamente sua cabaça
até o momento de enviar o pássaro para alguma missão.
Quando Iá Mi abre a cabaça,
o pássaro vai, seja aonde for,
aos quatro cantos do mundo e executa sua missão.
Se é pra matar, ele mata.
Se é pra trazer os intestinos de alguém,
ele espreita a pessoa marcada para abrir seu ventre
e colher seus intestinos.
Se é para impedir uma gravidez,
ele retira o feto do ventre da mãe.
Ele faz o que lhe for ordenado e volta para sua cabaça.
Iá Mi, então, recoloca a cabaça em seu lugar secreto.
Mas, se a pessoa possui um encantamento contra a feiticeira,
ela deve dizer a seguinte fórmula:
“Que aquela que vos enviou para me pegar, não me pegue”.
Assim, por mais que tente, o pássaro não poderá executar sua tarefa.
Sua dona terá de ir em busca do auxílio das outras Iá Mi.
Ela vai à assembléia e relata seu problema.
As ajés, as feiticeiras, devem trabalhar com ela,
porque não podem realizar sua tarefa sozinhas.
Então, Iá Mi leva um pouco do sangue da pessoa que quer prejudicar.
Todas as outras Iá Mi o põem na boca e o bebem.
Depois, elas se separam e não deixam dormir a vítima.
O pássaro é capaz de carregar um chicote,
pegar um cacete,
tornar-se alma do outro mundo,
e até mesmo pode ter o aspecto de um orixá;
tudo para aterrorizar a pessoa à qual foi enviado.
Assim são as Iá Mi Oxorongá.
Esta é a sua história.


[Notas bibliográficas e comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 348-351. Originalmente retirado de Pierre Verger, 1992, pp. 38-40. As Iá Mi são feiticeiras, não são orixás. A inclusão de seus mitos neste volume justifica-se por sua importância na disputa entre o poder construtivo dos orixás, o axé, e o poder destrutivo delas. Ialodê, em algumas cidades e aldeias iorubanas, é quem organiza o trabalho comunitário das mulheres. No candomblé é um cargo feminino para o provimento do terreiro e organização de festas. O culto às Iá Mi no Brasil está restrito a alguns terreiros mais antigos, cantando-se para elas no rito do Padê, e a outros terreiros africanizados. O fato de que, no Brasil, a idéia de feitiço deixou de ter, junto ao povo-de-santo, as interdições morais existentes na África pode ter contribuído para o enfraquecimento do culto das temidas feiticeiras.

Axé [àse] – força mística dos orixás; força vital que transforma o mundo.
Orobô [orógbó] – noz-de-cola amarga, falso obi (Garcinia gnetoides, guttiferae), fruto usado no culto de Xangô.
Eié [eye] – pássaro.
Eleié [ele eye] – literalmente, o dono ou a dona do pássaro; epíteto usado para referir-se às Iá Mi.
Ialodê [iyálóde] – encarregada de organizar o trabalho comunitário das mulheres da aldeia.
Ajé [Àjé] – feiticeira.



Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Obatalá promove a inveja e é feito em mil pedaços


Obatalá foi ao mercado e comprou um escravo.
Pôs os escravo trabalhando em sua terra.
O escravo trabalhou duro e a terra floresceu.
Obatalá ficou feliz.
Todos ficaram com inveja da plantação de Obatalá.
Um dia Obatalá estava caminhando por suas terras
quando o escravo, subornado pelos invejosos,
rolou uma imensa pedra sobre ele e o esmagou.
A pedra esmagou Obatalá
e seu corpo foi feito em mil pedaços.
Olorum viu tudo isso e, descontente,
mandou Exu recolher os mil pedaços de Oxalá.
Exu recolheu de Obatalá todos os pedaços que encontrou,
mas não pôde encontrar todas as partes.
Levou o que pôde a Olorum
e Olorum juntou os pedaços de novo e deu vida a Obatalá.
Mas Exu não pôde de fato encontrar todas as partes,
pois muitas delas se perderam longe, muito longe.
Por isso, dizem,
Obatalá está espalhado pelo mundo inteiro.
Obatalá está em todo lugar.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, págs 507-8. Originalmente retirado de Rita de Cássia Amaral, pesquisa de campo, São Paulo, 1996; Ulli Beier, 1980, pp. 6-7. A versão publicada em Harold Courlander (1973, pp. 101-3) e retomada por Wole Soyinka (1995, p. 152) conta que de cada pedaço de Obatalá foi feito um novo orixá. Outra versão (Jan Knappert, 1995, p. 189) diz que era Exu o escravo que, cansado de trabalhar como mensageiro, jogou uma pedra na casa de Obatalá, fazendo-o em pedaços, os quais originaram os outros orixás.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Ajagunã instaura o reino da discórdia e promove o progresso

Olodumare dividiu com seus filhos orixás
a difícil incumbência de governar o mundo.
Ajagunã também teve seu encargo, seu posto, seu oiê.
Foi-lhe destinado o domínio do progresso.
Mas, em vez do progresso,
ele plantou o conflito, a discórdia e a revolução.
Com ele a humanidade conheceu de perto a revolução.
Por vontade de Ajagunã, a cizânia se fez entre homens e nações.
Governando um grande território africano,
Ajagunã guerreava sempre com seus vizinhos.
Mas os vizinhos iam a Olofim-Olodumare
e protestavam pela agressividade de Ajagunã.
Diante de tantos protestos,
o Ser Supremo chamou e o repreendeu por seus exageros.
Ajagunã contestou dizendo que seu pai vivia confortavelmente,
sempre sentado na mesma cômoda posição,
não se dando conta do furor transformador
que a discórdia de Ajagunã gerava na terra.

Ajagunã seguiu guerreando pelo mundo,
fazendo do cotidiano dos povos um pandemônio,
alastrando a arruaça, o tumulto, a balbúrdia e o litígio.
Até que um dia Olofim tirou-lhe o reino
e o baniu para um distante continente.
No exílio, Ajagunã encontrou um povo que vivia em paz
e isso enlouqueceu Ajagunã.
Rapidamente criou a discórdia entre aquelas tribos
e a guerra instalou-se no país.
Tanta guerra fez que ela voltou a se espalhar mundo afora.
Olodumare, alarmado, chamou o filho
e pediu-lhe que repensasse sua forma de agir.
Ajagunã disse-lhe que a discórdia era necessária para o progresso,
somente daquela forma o ser humano criaria anseios
de crescer e conquistar novos caminhos.
Sim, ele estava exercendo
a função que o pai lhe atribuíra,
defendeu-se.
O Supremo Criador aceitou as explicações de Ajagunã.
O mundo continuou a guerrear.
O mundo continuou a progredir.
Ajagunã não pára nem para descansar.

[Notas Bibliográficas e Comentários]
Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi, publicado pela Cia das Letras, págs 493-4. Originalmente retirado de Lydia Cabrera, 1993, pp. 296-7.
Oiê [oyè] – cargo, posto hierárquico, título.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Odé desrespeita proibição ritual e morre

 
Naquele dia a caça era proibida.
Ninguém podia trabalhar.
Era dia de ir à casa de Ifá levar as oferendas.
Mas Odé queria caçar,
como fazia todo dia.
Odé não se importou com o interdito.
Odé não foi consultar o advinho.
Odé tranquilamente foi caçar,
seguiu o caminho da floresta.
Oxum, sua esposa, cansada de ver o marido
quebrar os sagrados tabus,
abandonou a casa e o esposo.



Caminhando pela mata, Odé escutou um canto que dizia:
“Eu não sou passarinho para ser morta por ti...”.
Era o canto de uma serpente, era Oxumarê.
Odé não se importou com o canto
e atravessou a cobra com a lança,
partindo-a em vários pedaços.
Odé tomou o caminho de sua casa
e, no percurso, continuou escutando o mesmo canto:
“Eu não sou passarinho para ser morta por ti...”.

Ao chegar em casa, Odé foi para a cozinha,
preparou uma iguaria com o fruto de sua caça
e comeu a saborosa comida imediatamente.
Pela manhã Oxum retornou a casa
para ver como estava o marido caçador.
Para seu espanto, encontrou morto o seu Odé.
Odé estava morto, o corpo caído no chão.
Ao lado de Odé, Oxum viu um rastro de serpente
que se alongava até a entrada da floresta.
Desesperada, Oxum foi procurar Orunmilá.
E ofereceu muitos sacrifícios.
Orunmilá deixou Odé viver de novo.
Deu a Odé o cargo de protetor do caçadores.
E Odé foi transformado em orixá.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 114-125. Originalmente retirado de Monique Augras, 19883, pp. 112-3. Odé, caçador em ioruba, é um nome genérico para vários orixás da caça, como Oxóssi, Erinlé, Logum Edé. No xangô, nome da religião dos orixxás em Pernambuco, e no batuque do Rio Grande do Sul usa-se Odé para referir-se a Oxóssi. No candomblé, o nome Odé aparece nas cantigas, rezas e nomes rituais, mas o nome pelo qual os devotos se referem ao orixá é Oxóssi.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Xangô rouba Iansã de Ogum

Xangô um dia cansou-se da monotonia da corte
e partiu e busca de novas aventuras.
Chegou a Irê, onde morava Ogum, nobre guerreiro, senhor da forja.
Ogum vivia com Iansã, senhora dos ventos e das tempestades.
Xangô apreciava ver o trabalho de Ogum na forja
e sempre arriscava olhar para a mulher,
driblando a vigilância do ferreiro.
Iansã por sua vez encantava-se com o porte a nobreza de Xangô.
Um dia, fugiram e chegaram a Oió.
Lá reinava o meio-irmão de Xangô, Dadá Ajacá.
Dadá deixou que Xangô o ajudasse no comando do reino.
Nas terras de Oió, Xangô fundou Cossô, seu reino próprio,
sendo chamado Obá Cossô, rei de Cossô.
Assim, o reino de Dadá expandiu-se por força de Xangô.
Um dia Xangô destronou seu irmão.
Tornou-se o senhor absoluto e o povo aclamava:
“Kabiyesi Xangô, Alafin Oió Alayeluwa!”.
“Viva sua majestade Xangô,
dono do palácio de Oió e Senhor da Terra.”
Xangô ergueu seu palácio com esplendor,
teve mulheres e muitos filhos.
Sempre acompanhado de Iansã.
Oxum foi a segunda mulher, seguida de Obá.

[Notas Bibliográficas e Comentários]

Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 248-9. Originalmente retirado de Pierre Verger, 1985, p. 37-8.

Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!

Iansã proíbe Xangô de comer carneiro perto dela


Um dia Xangô passeava a cavalo.
Avistou um palácio e disse:
“Eu vou pra lá”.
Quando chegou, quis saber do porteiro quem era o dono.
“É de Oiá”, respondeu o porteiro.
E Xangô disse: “Eu quero falar com ela”.
O porteiro respondeu que era impossível.
“Mas eu quero falar com ela”, insistiu Xangô.
Então o porteiro foi até Iansã
e contou que lá fora um cavaleiro, um rei, queria vê-la.
Iansã chamou Xangô para dentro,
mas, quando ele fez referência na frente dela,
Iansã imediatamente sentiu o cheiro de carneiro.
Então Xangô perguntou se ela queria ser sua esposa.
Iansã perguntou de que lugar ele vinha
e quis saber qual era a comida que ele comia.
“Curi agbô. Carneiro”, respondeu Xangô.
“Não, eu não quero me casar contigo
porque comes isso que eu detesto.”
Mas Iansã acabou por concordar com o casamento
desde que fosse mantida uma restrição:
toda vez que ele quisesse comer carneiro,
que ele voltasse para sua terra
e por lá ficasse por três meses, antes de regressar.
Xangô aceitou a proposta e eles se casaram.
Casaram-se mas não vivem juntos.
Essa é a razão por que Oxum é concubina de Xangô.


[Notas Bibliográficas e Comentários]


Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, págs 299-300. Originalmente retirado de Rita Segato, 1995, pp. 390-1.

Axé a todos os nossos irmãos!
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