Num tempo em que o mundo era apenas a imaginação de Olodumare,
só existia o infinito firmamento e abaixo dele a imensidão do mar.
Olorum, o Senhor do Céu, e Olocum, a Dona dos Oceanos,
tinham a mesma idade e compartilhavam
os segredos do que já existia e ainda existiria.
Olorum e Olocum tiveram dois filhos: Orixalá, o primogênito, também chamado Obatalá,
e Odudua, o mais novo.
Olorum-Olodumare encarregou Obatalá,
o Senhor do Pano Branco, de criar o mundo.
Deu-lhe poderes para isso.
Obatalá foi consultar Orunmilá,
que lhe recomendou fazer oferendas para ter sucesso na missão.
Mas Obatalá não levou a sério as prescrições de Orunmilá,
pois acreditava somente em seus próprios poderes.
Odudua observava tudo atentamente
e naquele dia também consultou Orunmilá.
Orunmilá assegurou a Odudua
que, se ele oferecesse os sacrifícios prescritos,
seria o chefe do mundo que estava para ser criado.
A oferenda consistia em quatrocentas mil correntes,
uma galinha com pés de cinco dedos,
um pombo e um camaleão,
além de quatrocentos mil búzios.
Odudua fez as oferendas.
Chegado o dia da criação do mundo,
Obatalá se pôs a caminho até a fronteira do além,
onde Exu é o guardião.
Obatalá não fez as oferendas nesse lugar,
como estava prescrito.
Exu ficou muito magoado com a insolência
e usou seus poderes para se vingar de Oxalá.
Então uma grande sede começou a atormentar Obatalá.
Obatalá aproximou-se de uma palmeira
e tocou seu tronco com seu comprido bastão.
Da palmeira jorrou vinho em abundância
e Obatalá bebeu do vinho até embriagar-se.
Ficou completamente bêbado e adormeceu na estrada,
à sombra da palmeira de dendê.
Ninguém ousaria despertar Obatalá.
Odududa tudo acompanhava.
Quando certificou-se do sono de Oxalá,
Odudua apanhou o saco da criação
que fora dado a Obatalá por Olorum.
Odudua foi a Olodumare e lhe contou o ocorrido.
Olodumare viu o saco da criação em poder de Odudua
e confiou a ele a criação do mundo.
Com as quatrocentas mil correntes Odudua fez uma só
e por ela desceu até a superfície de Ocum, o mar.
Sobre as águas sem fim, abriu o saco da criação
e deixou cair um montículo de terra.
Soltou a galinha de cinco dedos
e ela voou sobre o montículo, pondo-se a ciscá-lo.
A galinha espalhou a terra na superfície da água.
Odudua exclamou na sua língua: "Ilè nfé!",
que é o mesmo que dizer "A Terra se expande!",
frase que depois deu nome à cidade de Ifé,
cidade que está exatamente no lugar onde Odudua fez o mundo.
Em seguida Odudua apanhou o camaleão
e fez com que ele caminhasse naquela superfície,
demonstrando assim a firmeza do lugar.
Obatalá continuava adormecido.
Odudua partiu para a Terra para ser seu dono.
Então, Obatalá despertou e tomou conhecimento do ocorrido.
Voltou a Olodumare contando sua história.
Olodumare disse:
"O mundo já está criado.
Perdeste uma grande oportunidade".
Para castigá-lo Olodumare proibiu Obatalá
de beber vinho-de-palma para sempre,
ele e todos os seus descendentes.
Mas a missão não estava ainda completa
e Olodumare deu outra dádiva a Obatalá:
a criação de todos os seres vivos que habitariam a Terra.
E assim Obatalá criou todos os seres vivos
e criou o homem e criou a mulher.
Obatalá modelou em barro os seres humanos
e o sopro de Olodumare os animou.
O mundo agora se completara.
E todos louvaram Obatalá.
[Notas Bibliográficas e Comentários]
Transcrito do livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi publicado pela Cia das Letras, Págs. 503 - 507. Originalmente retirado de Leo Frobenius, 1949, pp.162-3; Juana Elbein dos Santos, 1976, pp.61-4, Ulli Beier, 1980, pp.7-8; Pierre Verger, 1980, p. 297; Verger, 1981 (a), pp. 252-3; Verger, 1985, pp. 83-7; Agenor Miranda Rocha, 1994, pp.60-3; Arno Vogel et alii, p. 174. Uma versão romanceada encontra-se em Adilson de Oxalá, 1998, pp. 13 e segs. Noutra versão, o primeiro lugar do mundo a ser criado foi a cidade de Ifé, considerada berço dos iorubás e centro do mundo (Frobenius, loc. cit.). Variantes cubanas dão a Obatalá como criador do mundo. Odudua às vezes é considerado o criador das cabeças, mas as fez com defeito, obrigando a nova intervenção de Obatalá (Samuel Feijoo, 1986, p.256; Natalia Aróstegui, 1990, p.79). No Brasil, Odudua está muito esquecido, lembrado num ou noutro raro terreiro, sendo em geral substituído por Ogum, conforme o mito "Ogum cria o mundo".
Axé a todos os nossos irmãos!
Deus é tudo acima de todas as coisas!
Olorum Colofé!
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